Jornal O 
POVO

Fortaleza-CE, Dia 25 de Abril 97

Jornal O POVO,
Caderno Vida & Arte



Letrinhas Radicais


Começa hoje em Fortaleza o Seminário Internacional Novos Paradigmas Narrativos: Dramaturgia e Interatividade. O evento reúne onze especialistas em tecnologia das imagens; que vão falar sobre o impacto das novas tecnologias audiovisuais e especular sobre as narrativas.


No princípio era a palavra. Mas as portas do ano 2.000, basta que um punhado de letrinhas se juntem para causar alvoroço: CD_ROMs, CDVs, DVDs e, para completar, as sofisticadas HDTVs, que em português prolixo significam televisão de alta definição. Verdade seja dita: a revolução tecnologica chegou sem pedir licenca. Mas Fortaleza pretende dar o pulo- do-gato. De hoje até domingo, sedia um Seminário Internacional para dissecar o assunto: Novos Paradigmas Narrativos - Dramaturgia e Interatividade. Onze especialistas em tecnologia da Imagem discutiräo com os 90 já inscritos o papel do espectador no mundo da relidade virtual e da interatividade.

"O Seminário é näo só oportuno como urgente", sentencia Heitor Capuzzo, um dos três brasileiros a participar do evento. O coordenador do Laboratório Multimidia da EBA/UFMG diz que, no momento em que o espectador vira uma espécie de co-autor dos programas televisivos, os cearences däo um salto a frente. "Hoje, você não tem mais uma TV em casa, tem uma ilha de edição inteira, onde as pessoas optam pelo que querem assistir e rethalham a programação a sua maneira", dispara. "Essa é a hora de esquecer o deslumbramento e discutir que tipo de demanda o mercado vai exigir, se preparando para isso. Tal qual vai acontecer nesse seminário".

Não é para menos. Promovido pela Secult - através do Centro de Estudos de Dramaturgia do Instituto Dragão do Mar - e pelo Banff Centre of the Arts, do Canadá, a programação inclui palestras, painéis, workshops, exposições e apresentação de filmes e making offs e reúne gente do México, Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Diga-se que todos esses países já desenvolvem um trabalho de pesquisa sério, com sistematização e métodos sobre o impacto das novas tecnologias audiovisuais na dramaturgia, que väo poder ser exibidos aos cearences nos próximos dias. No plenário de encerramento, a discussão volta-se para as perspectivas do Brasil.

O professor da Escola de Comunicação da UFRJ, André Parente, autor de um livro-referência por essas bandas, Imagem e Máquina, outro brasileiro a participar do Seminário, acha que o Brasil não está "à frente nem atrás nem do lado dos outros países" nessa corrida. "O maior problema é que aqui a nossa produção é muito fragmentada. Há pessoas altamente capacitadas trabalhando em condiçöes ruins e outras fazendo coisas de que ninguém toma nem conhecimento", reclama. Trocando em miúdos o problema é de uma política no campo das tecnologias - ou da falta dela. Mesmo assim André recolhece no país estudos grandiosos como o do Instituto de Matemática Pura e Aplicada do Rio de Janeiro, que desenvolve um trabalho de ponta na computa ção gráfica. Ele próprio vai fazer para o Seminário um projeto pessoal de cria ção de um novo dispositivo de realidade virtual e multimídia. "Quero deixar o projeto bem claro, explicar todos os detalhes usando para isso inclusive imagens porque acredito que e uma idéia pioneira no Brasil", atiça a curiosidade. "Estamos procurando transcender ao entretenimento".

Também participa do Seminário o professor da USP Arlindo Machado cujas pesquisas abrangem o universo das chamadas imagens técnicas - cinema, vídeo e as atuais mídias digitais. Mas é Capuzzo quem traz para a discussão um ponto no mínimo controverso que promete pano pras mangas. "A telenovela está com os dias contados e tanto a TV como o cinema, tal como são conhecidos, também vão deixar de existir", polemiza. "A menos que dêem um salto qualitativo enorme". Talvez não chegue a tanto. Mas é preciso dar o braço a torcer: "Gostando ou não, a revolução das novas tecnologias da imagem é algo tão radical como foi a entrada do som no cinema nos anos 20."


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