Visualização de dados brutos

Como mencionamos no postConhecendo os dados“, os dados brutos refletem o estado da Covid-19 na população. Eles são produzidos pelas diferentes instâncias de sistema de saúde com o resultado de testes clínicos e laboratoriais.

Temos então os casos: Confirmados: indivíduos infectados pela Covid-19; Mortes: pacientes que faleceram devido ao Novo Coronavírus; e Recuperados: pessoas que contraíram a doença e se curaram.

Uma outra maneira de enquadrar esses tipos de dados é como contagens. Sem entrar no mérito sobre o que está implícito no ato de contar como sua suposta objetividade (neste post discutimos mais sobre essa problemática), uma vez que começaram a ser divulgados dados brutos sobre o novo coronavírus, comunicadores e designers da informação passaram a exercer o importante papel de informar a propagação da Covid-19 à sociedade. A seguir, expomos por meio de um exemplo como os veículos de comunicação vêm enfrentando esse desafio comunicacional.

Figura 1: Gráfico do Financial Times.
Figura 2: Gráfico do jornal O Globo.
Figura 3: Gráfico do Nexo.

O exemplo acima serve para ilustrar como visualizações orientadas a representação de dados brutos sobre a Covid-19 possuem duas principais características, salvo exceções: elas recorrem ao uso de modelos visuais muito parecidos e são criadas para serem atualizadas continuadamente.

O uso de modelos visuais pode ser justificado pela característica da atualização contínua. À medida que as contagens da Covid-19 são atualizadas diariamente, os meios de comunicação recorrem a mecanismos que facilitam e agilizam seus processos de publicação. Quando a função comunicacional é meramente reportar (no sentido de transmitir dados técnicos sobre determinado fato com o máximo de síntese e objetividade) a estratégia mais adequada é a adoção de uma mesma estrutura/layout de gráfico que terá somente seus dados atualizados. Existem diversas maneiras de realizar isso editorialmente independente do meio: desde a programação por código em linguagens como R e javaScript à funcionalidade de dados variáveis em softwares gráficos.

Outra motivação para a adoção de modelos visuais é o fato de que os leitores começaram a se familiarizar com certos tipos de gráficos no curso da pandemia. Comentamos um pouco mais sobre esse aspecto neste post quando apresentamos a visualização de dados publicada pelo veículo Financial Times em 11 de março que convencionou a maneira de se comparar a trajetória do novo coronavírus em diferentes locais. Uma vez que se há uma maneira eficiente para se reportar um assunto sensível e urgente, não há porque reinventar a roda. Uma observação, a versão original do gráfico do Financial Times era estática e anotada e não podia ser atualizada continuadamente (pelo menos não tão facilmente). Talvez o Financial Times tenha percebido que essa estratégia não era adequada pois seu gráfico se tornaria rapidamente obsoleto. A partir de então, o veículo recorreu a uma nova versão que além de ser atualizada diariamente, permite ao usuário uma série de interações.

Até aqui pode parecer que não há nenhuma ressalva a se fazer a este tipos de visualizações, mas há. Sobretudo quando entende-se que veículos comunicacionais devem assumir outros compromissos além de reportar dados à sociedade. O Ricardo Cunha Lima, professor da UFPE, expos argumentos pertinentes nesta linha de pensamento no ciclo de webinares do Labvis-UFRJ que pode ser assistido aqui. Ele coloca que há um excesso de neutralidade nas visualizações de dados sobre Covid-19 que reportam dados brutos sobre a Covid-19. E essa neutralidade pode ser nociva no sentido de que dificultar que o jornalismo exerça seu papel social de informar com maior contextualização, engajamento, humanismo e precisão.

Ser preciso vai muitas vezes de encontro a ser objetivo, pois fenômenos complexos como a Covid-19 possuem nuances, diferentes pontos de vistas e até mesmo inconsistências que podem ser deliberadamente suprimidas quando se recorre somente a visualizações de dados que expressem contagens sobre a doença. A crítica é dupla: às contagens e às visualizações de dados que limitam-se a representá-las.

Particularmente, entendemos que há público, espaço editorial e contexto para visualizações de dados nos meios impressos, digitais e televisivos exclusivamente com funções de reportar. Assim como entendemos que existem – ou ao menos deveriam existir – condições semelhantes para elaboração e publicação de visualizações de dados sobre a Covid-19 menos convencionais, isto é, mais inovadoras e persuasivas tanto em termos da natureza da fonte dos dados retratados como das estratégias visuais-gráficas adotadas. Mesmo reconhecendo a relevância desta segunda abordagem de visualização de dados, é compreensível porque ela é menos recorrente: demanda muito mais tempo e esforço dos comunicadores e designers para empreendê-la.

Continuamos a nossa problematização com a visualização de dados primários da Covid-19 pela abordagem de contextos específicos.