O Brasil e o Mundo

Vamos aqui dar uma visão histórica da evolução da pandemia do novo coronavirus (Covid-19) desde a sua origem, em 2019, até os tempos atuais, meados de 2020, com foco em como os dados epidêmicos tem sido investigados e divulgados.

Antecedentes

O novo coronavírus, responsável pela Covid-19, é apontado como uma variação da família coronavírus. Ele foi identificado pela primeira vez em dezembro de 2019 na China, em Wuhan, na província de Hubei.

Desde então, a partir do surto epidêmico inicial, a transmissão do vírus se espalhou rapidamente pelo mundo, e foi declarada como uma pandemia pela OMS – Organização Mundial de Saúde em 11 de março de 2020.

Inicialmente, a Covid-19 se alastrou pela Asia (Tailândia, Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura, Malásia) e Oceania (Australia) à partir da China continental. Subsequentemente, atingiu a Europa, com grandes contágios particularmente na Itália e Espanha. Posteriormente, chegou aos Estados Unidos.

Figura 1 – Disseminação da Covid-19 da China até a chegada no Brasil.

No primeiro momento da pandemia, a preocupação maior das autoridades (OMS e governos) foi no sentido de entender as características particulares da doença e estabelecer medidas para controlar o surto (i.e., contenção, mitigação e supressão). Para esse fim, a análise e visualização de dados hipotéticos revelou-se estratégica para a gestão do surto no sentido de reduzir o pico da contaminação através do “achatamento da curva epidemiológica”, como mostramos no bloco Entendendo.

Num segundo momento, estabeleceu-se uma discussão a nível mundial sobre quais as melhores politicas para conter a propagação da doença, tanto internamente em cada país, quanto internacionalmente entre países e continentes. Dentre as medidas adotadas, podemos citar, a quarentena em várias cidades, proibição de viagens, rastreio em massa, e isolamento social com multas pelo desrespeito às regras. Discutimos questões relacionadas com o efeito dessas medidas a partir dos dados secundários no bloco Desvendando.

Alguns países, como Coreia do Sul e Nova Zelândia, tiveram uma reação rápida em implementar ações efetivas, conseguindo reduzir significativamente o impacto da pandemia num curto período de tempo. Outros países, como Itália e Espanha, foram surpreendidos e demoraram para se recuperar dos efeitos da contaminação na população – com a saturação dos sistemas de saude e muitas mortes. Finalmente, em certos países como os Estados Unidos e Brasil, os governantes minimizaram a importância da pandemia e deixaram de tomar medidas afirmativas, com consequências extremamente danosas ao povo de suas nações (atualmente, esses dois países concentram o maior número de mortos e infectados, globalmente).

Figura 2 – Evolução do número de mortos até o 35 dia por país. Nesse momento, o Brasil ainda não era o segundo da lista.

Brasil

O nosso país pode ser considerado um caso especial, pelas suas características especificas, distintas em vários sentidos do resto do mundo. O contexto brasileiro apresenta sérios problemas em áreas fundamentais – i.e., social, econômica e politica, os quais agravam de forma significativa as questões sanitárias da Covid-19.

O vírus chegou ao Brasil, num segundo momento, depois de ter se espalhado pelo mundo. Com isso, as autoridades poderiam ter aproveitado a experiência dos outros países e usar esse conhecimento para o planejamento de suas ações no sentido de tomar medidas seguras e eficazes. Não obstante, infelizmente perdemos essa oportunidade pela conjuntura nacional.

Uma evidência cabal dessa situação é o fato de que, desde o início da pandemia, o Ministério da Saúde teve três ministros diferentes, que foram substituídos por motivos políticos. Inclusive, o atual é apenas um ministro interino, que não é da área médica.

Médico ortopedista e deputado federal, Luiz Henrique Mandetta assumiu o Ministério da Saude no início do governo Bolsonaro. Ele ganhou notoriedade pelo seu papel no combate à pandemia do novo coronavirus. A sua atuação foi marcada pela coordenação junto ao SUS com as secretarias estaduais e municipais de saúde, e também pela transparência na comunicação dos dados da doença para a população através de pronunciamentos diários em rede nacional de TV.

Mandetta foi exonerado por divergências com o presidente da República acerca da politica de isolamento social e substituído pelo médico oncologista, e empresário na área de saúde, Nelson Teich, que ficou apenas um mês no cargo. Teich pediu demissão devido a sua discordância em implementar uma politica nacional de uso da cloroquina sem aval científico.

Com a saída de Nelson Teich, o general Eduardo Pazzuelo, passou de secretário-executivo do Ministério da Saúde para o cargo de ministro interino, no qual permanece até hoje.

Figura 3 – Escalada do Coronavirus e a troca de ministros.

O resultado desse processo foi a paulatina perda de importância do Ministério da Saude na coordenação da politica nacional relacionada com a pandemia da Covid-19 e a consequente desarticulação dos entes da federação, os quais tiveram que assumir a gestão local.

Ação e Reação

Desde o início da pandemia o Ministério da Saúde apresentava, diariamente, uma lista segregada por estado e contendo o total no país de casos e mortes provocadas pela Covid-19 que tinham sido registradas nas últimas 24 horas.

Figura 4 – Metodologia de divulgação e visualização dos dados da Covid-19 antes do mês de julho de 2020.

A partir do início de junho várias mudanças foram feitas nessa lista divulgada pelo governo no sentido de dificultar o acesso à informação e diminuir a transparência. Com isso, a maior parte dos dados foi retirada. A tabela original foi substituída por uma nova com ênfase no número de pacientes recuperados e discriminando apenas as quantidades individuais de casos novos e mortes por estado, sem os números totais.

Além disso, o governo retirou do ar o site do Ministério da Saúde que divulgava os dados da doença de forma on-line. No site, podia-se acompanhar a evolução dos casos de mortes pela Covid-19, no país e em todos os estados brasileiros. Subsequentemente, após alguns dias, foi lançado um novo portal com os dados da disseminação do coronavirus seguindo uma linha de divulgação com menos transparência como foi relatado acima. Mais ainda, o site anterior permitia o download das tabelas de dados pelo usuário – funcionalidade que foi também retirada do novo portal.

Essas mudanças decorrentes da ação governamental provocaram imediatamente muitas reações por parte das instituições e da sociedade, tanto no Brasil quanto no exterior. A saber: primeiro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o ministério reestabelecesse a forma de divulgação anterior dos dados; depois, o Congresso Nacional designou para a sua comissão mista de acompanhamento da Covid-19 a tarefa de consolidar e divulgar os dados que são repassados pelos estados sobre a doença no país; finalmente, numa inciativa inédita, foi criado um consórcio de veículos de imprensa, formado pelo O Globo, Extra, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, G1 e UOL. Essas empresas passam a trabalhar de forma colaborativa, buscando os dados diretamente nos 26 Estados e no Distrito Federal, para compartilhar as informações obtidas com a sociedade brasileira. O balanço diário é divulgado as 20hs e liberado para todos os acessos.

Figura 6 – Portal do SUS, depois da determinação do STF.

Uma outra consequência dessas mudanças – nesse caso a nível internacional – foi a decisão da Universidade Johns Hopkins de interromper a contabilização de novos dados sobre a doença no Brasil. Essa interrupção feita pela universidade, que é referência na contabilidade de estatísticas globais da pandemia de Covid-19, prevaleceu durante a polemica relatada acima. Consequentemente, nesse período o país ficou fora do ranking das nações afetadas pelo coronavirus. Isso causou, não só a impossibilidade de comparar a evolução da doença em relação a outros países, como principalmente um dano a credibilidade do Brasil diante da comunidade internacional.

Mais recentemente, a gravidade da pandemia no Brasil, com um número de contagiados perto de 2 milhões e de mortos atingindo 75 mil em meados de julho de 2020, fez com que a situação de interinidade do ministro Pazuello por mais de 2 meses fosse severamente questionada por vários setores da sociedade, exigindo a sua troca por um ministro da área médica. Esses críticos, atribuem a inoperância do Ministério da Saúde ao despreparo de Pazzuelo (que é general da ativa).

Figura 7 – Balanço dos números da Covid-19 no Brasil, publicado em 15/07/2020 no Globo.

Na sequencia, falaremos sobre os dados primários da Covid-19, como são coletados e divulgados.