A Dinâmica da Epidemia e o Modelo SIR

Nesse ponto, para continuarmos nosso entendimento da epidemia, devemos estudar o processo como um sistema dinâmico. A classe de modelos epidemiológicos para calcular o número teórico de pessoas infectadas por uma doença contagiosa ao longo do tempo em uma população fechada, é conhecido com modelo SIR. Ele tem esse nome porque consiste de um conjunto de equações diferenciais acopladas relacionando o número de indivíduos da população de acordo com o seu estado da doença. Assim, temos as pessoas Susceptíveis, S(t), as pessoas  Infectadas, I(t) e as pessoas  Removidas, R(t) (i.e., que foram curadas ou morreram, deixando de influir no processo epidêmico).

O mais simples dessa classe de modelos é o o chamado modelo de Kermack and McKendrick [3]. Esse modelo assume que o tamanho da população é fixo, o período da incubação do agente infectado é instantâneo e a duração da infectividade é mesma da doença. Alem disso, ele supõe atuação igual sobre toda a população.

O modelo consiste de um sistema de três equações diferenciais ordinárias não-lineares,

    \begin{align*}\frac{dS}{dt} &=  -\beta S(t) I(t) \\\frac{dI}{dt} &= \beta S(t) I(t) - \gamma I(t) \\\frac{dR}{dt} &= \gamma I(t)\end{align*}

onde \beta é a taxa de infecção e \gamma é a taxa de recuperação.

A evolução desse sistema de equações ao longo do tempo é governada pelo valor do limiar epidemiológico

    \[R_0 = \frac{\beta S(t)}{\gamma}\]

Quando R_0 > 1 cada pessoa doente irá infectar mais de uma pessoa e a epidemia crescerá exponencialmente. Por outro lado, se R_0 < 1 cada pessoa doente infectará menos que uma pessoa, causando uma diminuição da epidemia.

Para simular computacionalmente o processo, recorremos à integração numérica das equações, usando o método de Euler.

    \begin{align*}s_n &=  s_{n-1} - \beta s_{n-1} i_{n-1} \Delta t \\i_n &=  i_{n-1} + (\beta s_{n-1} i_{n-1} - \gamma i_{n-1})\Delta t \\r_n &=  r_{n-1} + \gamma i_{n-1} \Delta t \\\end{align*}

Baseado nos dados reais provenientes de amostras coletadas sobre um determinado período, podemos estimar os valores dos parâmetros \beta e \gamma e realizar simulações.

Como exemplo, vamos usar a epidemia pelo virus da gripe de Hong Kong na cidade de Nova Iorque no final dos anos 1960. Estimando um período médio de infecção de três dias resulta em \gamma = \frac{1}{3}.  Supondo que cada pessoa infectada irá contaminar outra pessoa a cada dois dias, temos \beta = \frac{1}{2}.
Temos como valores iniciais da simulação S_0 = 7.900.000 (população de Nova Iorque em 1968-1969), I(0) = 10 (nível de inicial de infecção por 10 pessoas) e R(0) = 0.

De posse desses dados e escolha de valores dos parâmetros, calculamos as curvas de solução do modelo para um periodo de 140 dias que pode ser vista no gráfico da Figura 4, onde as quantidades estão normalizadas (i.e., s(t) = \frac{S(t)}{N}, i(t) = \frac{I(t)}{N}, r(t) = \frac{R(t)}{N} e N = S_0).

Figura 4: Epidemia da gripe de Hong Kong em Nova Iorque (de Smith-Moore [4]).

Duas observações importantes sobre esse gráfico. Primeiro, a curva r(t) segue a função Logistica de crescimento que, ao contrario da função exponencial, modela a evolução da infecção em todas suas fases [2]. Segundo, apesar do nível de i(t) parecer baixo, a sua influência é grande, devido ao fator exponencial. Note que o ponto de máximo dessa curva corresponde ao ponto de inflexão de r(t) onde a derivada (taxa de crescimento) muda de sinal.

Embora o modelo de Kermack-McKendrick descreva a essência da dinâmica de uma epidemia, ele inclui apenas os elementos principais do processo. Modelos mais complexos incluem outras categorias de individuos na população, como o modelo SIRD (em inglês: Susceptible-Infected-Recovered-Deceased), que divide as pessoas removidas em Recuperadas e Mortas. Com isso, outros parâmetros são incluídos, nesse caso as taxas de recuperação e mortalidade.

Além disso uma análise completa deve considerar outros aspectos epidemiológicos e sociais que são necessários para modelar de maneira fidedigna o fenômeno.

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 Referências

[3] W. O. Kermack and A. G McKendrick. A contribution to the mathematical theory of epidemics. Proc. Roy. Soc. Lond., A(115):700–721, 1927.

[4] David Smith and Lang Moore. The SIR Model for Spread of Disease. Mathematical Association of America, 2020. URL https://www.maa.org/press/periodicals/loci/joma/the-sir-model-for-spread-of-disease