Achatando a curva

O jornal The Economist foi o primeiro grande veículo de comunicação a divulgar amplamente o gráfico que ficou popularmente conhecido como o modelo conceitual do “achatamento da curva” (do inglês, flatten the curve). Publicada em 29 de fevereiro, a matéria traz um gráfico (Figura 1) criado pelo jornalista visual Rosamund Pearce baseado em um gráfico previamente criado pelo órgão americano Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em 2017 (Figura 2).

Fig. 1 – O primeiro gráfico do “achatamento da curva” a ganhar visibilidade na mídia. Fonte: The Economist.
Fig. 2 – O gráfico original do “achatamento da curva” publicado em relatório de pesquisa. Fonte: CDC.

A Figura 1 é uma representação simplificada e esquemática para a quantidade de pessoas infectadas ao longo do tempo. Não há dados concretos sendo mapeados neste gráfico, tanto que não há unidades de medição representadas. O gráfico é uma abstração de curvas obtidas em simulações de propagação de uma dada epidemia, no caso o Covid-9. Como mencionamos na análise da matéria do The Washington Post, essas simulações são criadas a partir do modelo SIR levando em consideração diferentes cenários de propagação. Embora os resultados das simulações variem e dependam de diferentes parâmetros, há tendências-chave esperadas para a dinâmica de contágio. O que a Figura 1 mostra é a sobreposição de duas tendências de curva para pessoas infectadas. A primeira delas, em azul e legendada como without measures, tem um pico acentuado, indicando o surto de coronavírus em um curto período de tempo. Essa curva pode ser associada à curva de pessoas infectadas em um cenário sem medidas de contenção da doença (equivalente ao cenário de circulação livre para todos na matéria do The Washington Post). A outra curva, em laranja e legendada como with measures, é mais suave (ou achatada), indicando uma taxa mais gradual de infecção por um longo período de tempo. Essa curva pode ser associada à curva de pessoas infectadas em um cenário com medidas de contenção da doença (equivalente ao cenário de distanciamento social na matéria do The Washington Post). O desenho das curvas é modelado por uma variável chamada taxa reprodutiva (R) que diz respeito ao número de casos que cada novo caso de infeção dará origem. Em última análise, a taxa reprodutiva pode ser associada ao limiar epidemiológico que é comentado na análise A Dinâmica da Epidemia e o Modelo SIR.

Ganhando novas versões

A matéria do The Economist ressalta que a curva mais suave resulta em menos pessoas infectadas simultaneamente, o que reduz as chances de um eventual colapso do sistema de saúde resultando em menos mortes. No entanto, essa informação é trazida somente no texto. Após sua primeira publicação na grande mídia, o gráfico do “achatamento da curva” foi adaptado incontáveis vezes, dentro e fora do contexto jornalístico. Vox (Figura 3), New York Times (Figura 4) e Nexo (Figura 5) foram alguns dos veículos que adaptaram o gráfico do “achatamento da curva” tornando mais claro para um público leigo o que realmente está em jogo entre uma curva e outra: a capacidade dos sistemas de saúde – e aqui podemos considerar a disponibilidade de profissionais, número de leitos hospitalares, respiradores, etc. – de prestar serviço àqueles que precisam. Para destacar essa diferença, as novas versões do gráfico do “achatamento da curva” trazem uma linha pontilhada representando o limite da capacidade do sistema de saúde. Assim como os outros elementos gráficos presentes no gráfico, a linha não é mapeada em termos de valores concretos. Não se conhece ao certo o número de casos de Covid-19 que irá sobrecarregar o sistema de saúde, mas a posição da linha tangente à curva achatada reitera visualmente o argumento de que existe somente um cenário no qual a epidemia pode ser enfrentada sem grandes riscos à população: o cenário de medidas de contenção através de distanciamento social.

Fig 3: Gráfico de “achatamento da curva” pelo veículo Vox.
Fig. 4: Gráfico de “achatamento da curva” pelo veículo New York Times.
Fig. 5: Gráfico de “achatamento da curva” pelo veículo Nexo.

No início de maio, o resultado da busca por “flatten the curve graphic” no Google Images já exibe incontáveis versões do gráfico. No entanto, a maioria das adaptações são meramente estilísticas, não trazendo nenhuma informação adicional relevante para o conteúdo.

Fig. 6 – Os primeros 35 resultados imagéticos para a busca “flatten the curve graphic” no Google.

Como acontece com todo grande fenômeno midiático atualmente, o gráfico do “achatamento da curva” também virou memes na internet como é o caso do “cattening the curve” (Figura 7).

Fig 7 – O meme cattening the curve. Fonte: Twiter/@amdar1ing.