Discussões com Waldemar Cordeiro

Ao ser apresentado a Waldemar Cordeiro, ele logo me colocou seu objetivo, USAR O COMPUTADOR PARA FAZER ARTE.

Inicialmente fiquei relutante pois temia que Cordeiro tivesse idéias preconcebidas e quisesse apenas usar o computador como um novo conversor gráfico que estava entrando na moda. Rapidamente verifiquei que esta não era sua intenção. Desejava sim estudar as possibilidades deste novo instrumento em Artes e percebera que era necessário conhecê-lo em profundidade, o que só seria possível através de discussões com quem tivesse familiaridade e amplos conhecimentos no campo da computação. Considerei interessante enveredar por esse caminho.

Decidimos iniciar por um período de mútuo conhecimento e troca de informações o que foi feito a través de contactos periódicos em que ora nos encontravamos em minha casa ora na dele (ou num restaurante!), ou combinávamos visitas a atividades artísticas, a exposicões ou laboratórios. Nessas atividades participavam freqüentemente Iva, minha esposa e Helena, esposa de Cordeiro. Nesse período trocávamos documentos, artigos e livros, para que cada um de nós, tomasse conhecimento do campo da especialidade do outro.

Lembro-me bem das reacões de Cordeiro quando o levei para visitar um laboratório do Departamento de Física e sua surpresa ao ver como se podia manipular imagens na tela de um osciloscópio exitado por sinais elétricos harmônicos e deformando a imagem com imãs que desviavam o feixe de elétrons. Introduzí tambem Cordeiro a todo um mundo de imagens de origem técnica e científica como capas de revistas (Science e outras), figuras de carater científico, e gráficos de funções matemáticas. Ouvimos também gravações de músicas geradas por instrumentos eletrônicos (uma técnica iniciada nos anos 30), ou compostas por computador. O uso do computador para gerar os sons diretamente estava em seus inícios, a nível de laboratório (por ex. na Bell). É interessante notar que na época, alguns operadores de computador haviam notado que ruidos elétricos gerados por um computador, mal blindado, em operação, podiam ser captados por um rádio nas proximidades . Alguns operadores usavam este ruido para acompanhar o processamento de um programa e alguns chegaram mesmo a escrever programas que não calculavam nada de significativo mas ao serem captados "tocavam músicas". O ritmo de uma saida de computador por máquina de escrever elétrica (uma saida usada em sistemas menores) também gerava efeitos sonoros com ritmos que podiam ser explorados.

Passamos a discutir as possibilidades. Discutimos Televisão e as possibilidades de manipulação e geração de imagens; música, nos aspectos de composição, análise, geração de sons, sua modificação, filtragem e transformações e o processo de audição; imagens, sua geração, transformações, efeito das cores, teoria das cores, processo de visão etc; pensamos em textos e o uso do computador para analisar textos, compor poesias a partir de regras e a possibilidade de associar os aspectos plásticos e sonoros das palavras; objetos tridimensionais e sua representacão bidimensional e estrereoscópica; as associacões de varias técnicas para gerar ambientes que exitariam vários de nossos sentidos e capacidades de percepção.

A abordagem girava sempre no sentido de perceber as possibilidades de cada técnica para gerar novas formas de expressão artística, fugindo sempre do simples uso de uma nova técnica para substituir uma técnica antiga sem renovar a mensagem.

Entre sonhos de coisas infactíveis para a época (mas muitas das quais são hoje corriqueiras), e outras, menos ambiciosas, mas factíveis, preparamos uma longo programa para explorar o que poderia ser realizado com os recursos técnicos disponíveis.

Nos fixamos inicialmente em dois projetros, um gerador de palavras ao acaso, com sonoridade da língua portuguesa e uma imagem a ser trabalhada e impressa em uma "Line Printer".

O gerador de palavras foi realizado e chamado de "BEABÁ".

Quanto à imagem pensamos em partir de uma imagem de caráter figurativo e operar alguma transformação para ser impressa. Cordeiro insistiu muito em usar uma imagem com forte conteudo humano e emotivo para ser transformada por uma "maquina fria e calculista". Quanto às transformações, discutimos um sem número delas. Transformações geométricas, simetrias, inversões, mudanças em contraste, em granularidade, deformações (como imagens em espelhos curvos), introdução de ruido aleatório, perda de informação, mistura de imagens, sucessão de imagens etc. Nesta altura eu me perguntei, do ponto de vista científico, qual a transformação mais usada. A resposta imediata foi a operação de derivação. Em Física e Matemática a derivada de uma função é uma nova função com muita informação sobre as propriedades da função original. No processamento de sinais é muito comum gerar um sinal que é a derivada de outro sinal. Pareceu logo uma boa idéia e passamos à realização desse segundo trabalho. Cordeiro se incumbiu de escolher e digitalizar uma imagem, eu me incumbí de preparar e rodar os programas. Após alguns ajustes entramos com a imagem original digitalizada, um poster promocional do "Dia dos Namorados" e o computador nos forneceu a imagem derivada. Decidimos reinjetar essa imagem no computador e deriva-la novamente obtendo a segunda derivada e repetimos mais uma vez o processo obtendo a derivada terceira.

Como era de se esperar, o conteudo de informação da imagem derivada era semelhante ao da original, haviamos apenas transformado uma imagem com varios graus de claro/escuro em uma imagem de contornos. As derivadas seguintes, aos poucos perdiam a informação. Decidimos que o trabalho seria formado por quatro imagens, a original digitalizada e as tres derivadas. Denominamos este trabalho "DERIVADAS DE UMA IMAGEM". As quatro imagens eram -grau zero - o original; grau um - primeira derivada; grau dois - segunda derivada e grau tres - terceira derivada.

Consideramos o resultado muito satisfatório como uma primeira experiência. Não só a imagem era interessante, como envolvia um procedimento que poderia ser utilizado para qualquer outra imagem do mesmo tipo. Entendemos que um aspecto importante do trabalho era o procedimento, e mais ainda, abria o caminho para outras transformações matemáticas a serem identificadas.

Apesar da possibilidade de reutilizar o programa para outras imagens, isto não ocorreu.

Algum tempo depois, decidimos fazer um certo número de copias em "Silk Screen" das "Derivadas" (apenas original digitalizado e primeira derivada).

Abaixo descrevo com algum detalhe aspectos técnicos do BEABÁ e DERIVADAS.


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