Visgraf in Press



Date: 12 Sep 1995
Media: Jornal do Brasil - Caderno de Informática
Jornalista: Carla Baiense

 

As fronteiras da tecnologia de primeira

Os pesquisadores Jonas Gomes (D), doutor em Matemática, e Luiz Velho, doutor em Ciência da Computação, fazem parte de um time de brasileiros que produz tecnologia de primeira enfrentando os problemas típicos de Terceiro Mundo. Fundadores do Visgraf, o grupo de computação gráfica do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), eles trocaram os efeitos especiais da Globo, em 1989, pelas pesquisas de fronteira na área de processamento da imagem e antecipam, hoje, as tecnologias que só em alguns anos estarão nas máquinas e programas para impressão digital. Mas apesar da qualidade dos trabalhos e do reconhecimento da comunidade científica em eventos como o Sigraph, o maior encontro dos pesquisadores de computação gráfica do mundo, o grupo esbarra na burocracia jurídica para colocar na rua o conhecimento produzido nos laboratórios do Impa.
Confiantes num futuro de auto-suficiência para a computação gráfica brasileira, eles comemoram o surgimento de programas de incentivo à produção e exportação de software, como o Softex-2000, e elogiam os grupos que se preocupam em reinventar a roda. ´´Num País de Terceiro Mundo, encontrar soluções para problemas que já foram resolvidos significa dominar uma tecnologia que, importada, tem um alto custo. É preciso diferenciar a pesquisa original da pesquisa importante para o Brasil``, defende Jonas Gomes.



  • Por que o Impa resolveu associar a teoria matemática ao estudo da computação gráfica?

    Luiz Velho. O interesse do Impa está centrado em ensino, pesquisa e desenvolvimento. Teoria de computação gráfica junta pesquisa e educação. A gente se preocupa em conceituar a área de computação gráfica, que é uma área nova _ tem menos de 50 anos _ e foi impulsionada pelo desenvolvimento de coisas concretas. O Visgraf, então, tem dado muita ênfase à conceituação, o que de um lado nos habilita a fazer uma pesquisa de ponta efetiva, e por outro nos dá um instrumental para trabalhar bem na área de ensino.

  • Que tipos de problemas o Visgraf se propõe a resolver na área de computação gráfica?

    Jonas Gomes. Se você compreender qual o grande problema de uma área você a estará entendendo. A computação gráfica trata da transformação da imagem a partir de dados, o que nós chamamos de síntese da imagem. Mas tem outras disciplinas que tratam deste assunto. Temos uma área chamada de visão computacional, que procura entender os dados que geram a imagem. Outra área afim é a do processamento de imagens, trabalhar uma imagem em computador e, a partir dela, produzir outra imagem. Estes são os grandes problemas da área. No Impa, quando nos referimos à computação gráfica, nós estamos falando em processamento de imagens, visão computacional e síntese de imagens.

  • O Impa se preocupa com aplicações ou ele se concentra no estudo de problemas básicos da imagem?

    Jonas Gomes. O Impa como um todo, e isso independe da computação gráfica, tem uma área de formação de pesquisadores, além da parte de pesquisa e aplicações. O ensino é associado à pesquisa, na formação de pesquisadores, no nível de pós-graduação. Mas há áreas de aplicações, como a computação gráfica, onde algumas das ferramentas desenvolvidas são adequadas à resolução de problemas concretos. Temos trabalhado com a Rede Globo, desenvolvendo produtos para cenografia virtual, temos convênio com a Casa da Moeda e estamos começando a desenvolver multimídia.

    Luis Velho. Além disso, temos contato com a HP dos Estados Unidos, negociando o desenvolvimento de trabalhos conjuntos no terreno da impressão digital de imagens.

  • Esse trabalho de pesquisa na área de conceituação da computação gráfica é único no Brasil?

    Jonas Gomes. Essa pergunta é muito delicada. Pesquisar significa estender a fronteira do conhecimento humano. Como você está trabalhando numa área de matemática aplicada, a interpretação disso é multifacetada. Há milhares de maneiras de ver um problema, que vão gerar soluções diferentes que podem estender a fronteira do conhecimento. Resolver um problema de maneiras diferentes é tecnologia, área em que diferentes soluções de problemas têm valor inestimável. Se uma equipe equacionou um problema, aquele grupo, aquele país detém a tecnologia. Se for uma questão importante, vai guardar isso a sete chaves, patentear. Para um país em desenvolvimento é importante tentar entender como foi resolvido um problema e encontrar uma solução, que pode ser parecida, pode até ser igual. O importante é estar desenvolvendo tecnologia.

  • Perde o sentido a classificação de pesquisa original?

    Jonas Gomes. Quando se domina a tecnologia está se fazendo uma pesquisa importante. Alguns pesquisadores diriam que não é pesquisa original, mas é preciso distinguir pesquisa original e pesquisa importante para o país. E no Brasil a comunidade de computação gráfica cobre as duas áreas. Todos os países seguiram esse caminho. O Japão cresceu assim. No Brasil tem grupos preocupados em desenvolver softwares, inéditos ou não. Nós nos preocupamos com a teoria.

  • O Brasil caminha para se firmar como uma grande produtor de tecnologia de computação gráfica?

    Jonas Gomes. Acho que sim. Cada vez mais se nota interesse de alunos nessa área. Várias universidades, hoje, têm cursos de doutorado, como a PUC, a USP, a Unicamp, o Impa. Há alunos brasileiros se especializando nos Estados Unidos. Mas ainda existe uma carência muito grande em recursos humanos.

  • O País teria condições de exportar essa tecnologia?

    Jonas Gomes. A comunidade brasileira está preparada para desenvolver a tecnologia que as empresas nacionais estão precisando. Exportar essa tecnologia é um segundo passo. Precisa de muito incetivo do Governo. Não sei como o programa Softex vai caminhar no futuro. Exportar software é um investimento muito alto.

  • Então não é um problema de produzir tecnologia, é um problema de marketing?

    Luiz Velho. É um problema industrial. É preciso pensar na comercialização, no suporte, precisa de uma infra-estrutura grande. A área de software é um pouco mais fácil que a de equipamentos, por outro lado é mais complicada. É preciso fazer novas versões do produto.

    Jonas Gomes. As dificuldades são imensas e de várias naturezas. Eu vou dar um exemplo, que é a nossa experiência. Desenvolvemos esse algoritmo inovador para a área de impressão digital de imagem. O primeiro trabalho da pesquisa apareceu em 92. Nós percebemos que era importante e resolvemos patentear. Fomos buscar apoio do Governo. O País tem grupos de pesquisa, desenvolve tecnologias de ponta, portanto deve ter uma estrutura eficiente para defender os interesses da tecnologia nacional. Simplesmente não existe nenhum mecanismo de apoio. Tivemos que começar a estudar como fazer isso, como registrar uma patente lá fora e ainda estamos batendo cabeça.

  • A tecnologia foi patenteada?

    Jonas Gomes. Estamos patenteando. É tão inusitado que tem uma hora que você se dá conta: nosso negócio não é fazer patente. Nosso negócio é fazer pesquisa. Estamos vendo que o melhor é vender essa patente para uma empresa americana. Algumas empresas têm demonstrado interesse nessa tecnologia e nós estamos conversando. Nós conversamos com pesquisadores de universidades estrangeiras e de empresas estrangeiras e vimos que, lá fora, quando se termina, a pesquisa é entregue aos advogados do departamento de patentes da universidade. Se aquela descoberta for explorada tem parte do retorno vai para a universidade, para pesquisador.

    Luiz Velho. Quando começamos a estudar esse problema, tivemos um pequeno apoio do Softex. Mas não havia nenhuma estrutura que pudesse fazer a patente ou prestar uma assessoria completa. Eles nos indicaram pessoas, mas tivemos que fazer tudo individualmente.

  • Isso não desestimula ou, por outro lado, não leva o pesquisador a produzir para a empresa, para evitar esse problema?

    Jonas Gomes. O que termina acontecendo, por causa disso, e não é só na área da computação gráfica, acontece muito na área de medicamentos, é que a tecnologia acaba caindo na mão de empresas estrangeiras. É a evasão de tecnologia.

  • É mais grave que a evasão de mão-de-obra?

    Jonas Gomes. Está relacionada. Evasão de mão-de-obra especializada, essencialmente, significa uma evasão tecnológica. O mercado mostrou que competir em hardware é uma coisa complicada. O software depende de cabeça, então é mais fácil. O Softex, que é um projeto conceituamente correto, está cuidando dos dois lados, do lado externo, entender o que o produto brasileiro precisa ter para estar lá e também da parte interna, com núcleos que fomentam o aparecimento de empresas. A meta deles é atingir 1% do mercado mundial. Se cumprirem a expectativa, o software será o primeiro produto da pauta de exportação brasileira.

    Luiz Velho. No nosso caso específico, o problema se torna mais complexo. Não envolve a exportação de um software mas de uma tecnologia que envolve software e hardware. Não vamos fazer um programa e vendê-lo. A tecnologia vai estar incorporada a equipamentos gráficos, por isso, envolve negociação de patentes.

  • Como foi a participação brasileira na Sigraph, que aconteceu em agosto nos EUA?

    Jonas Gomes. O Sigraph é a maior conferência na área de computação gráfica. Está muito acima da segunda. Este ano, reuniu 38.661 pessoas. Participamos com um curso e com dois trabalhos técnicos. O retorno percebemos durante o evento com as pessoas comentando os trabalhos. Ainda hoje chegam mensagens, via Internet, nos parabenizando. O curso foi tão bem aceito que estamos conversando com duas editoras internacionais interessados em publicar o conteúdo do curso .
     


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