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15 Oct 2000
Jornal Folha de São Paulo - seção MAIS!! |
Encantos mil 2 - A outra mostra, também à volta da iconografia carioca, no CCBB, é o fruto de colecionadores particulares, os Geyer. Estão lá o "Outeiro da Glória", de N.A. Taunay, luminoso e feliz; a silenciosa rua da Candelária, na pintura secreta de Victor Meirelles; a montanha da Tijuca, nas brumas finas de Biard, isso para pescar, sem rigor, só três, dentre as 200 obras expostas. Uma reunião por si só fenomenal, mas ainda bem menor que a coleção completa. Muito raro, em relação aos costumes brasileiros de hoje, é o fato de que os colecionadores doaram o conjunto todo para uma instituição pública, o museu Imperial de Petrópolis.
Gaveta - Das cinco sonatas para violino e piano de Cláudio Santoro (1919-1989), apenas a de número quatro era, de
fato, conhecida. Algumas outras nem sequer tiveram edição impressa. Elas foram gravadas em CD no ano passado,
por iniciativa da Academia Brasileira de Música.
São tramas musicais que inventam sons sempre necessários, sempre expressivos, indutores de uma inspiração
incessante. Por isso mesmo apresentam uma clara unidade, para além das fases circunstanciais que o compositor
pôde atravessar. Obras que estão lá em cima, nos píncaros da produção musical ocorrida no Brasil. Podem enfrentar,
sem medo, a comparação com qualquer outro autor, de qualquer outro país. As intérpretes, Laís de Souza Brasil e
Mariana Salles, tornaram comovente e intenso este que é, não há dúvida, um dos mais belos CDs de música
brasileira.
Asas - No final da peça, no longo espaço de cena do teatro Oficina (SP), surge um avião. "Dédalus" é um espetáculo
da companhia Ueinzz. Alguns dos atores são pacientes psiquiátricos, e o espetáculo poderia ser tomado por um
exercício terapêutico. Talvez ele possua esse efeito, mas o que importa, para o espectador, é a estranha poesia que,
pouco a pouco, entre momentos mais áridos e mais sedutores, vai se erguendo. É um teatro que não se apóia na
máscara, na aparência construída pelo ator, com habilidade e talento, para esconder o seu ser próprio. Funda-se,
antes, numa dupla presença: vejam, eu sou Ícaro, eu sou Eurídice. Eu, isto é, a identidade do ator, não se separa de
Ícaro ou Eurídice, seus personagens. No finzinho, quando chega o avião, artistas e público flutuam, suspensos na
mesma felicidade.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br